Organização
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Capa
Cláudio Cretti
Projeto gráfico, editoração eletrônica e diagramação
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Páginas
272
Formato
edição eletrônica
Autores desta edição
Ricardo Dantas, Davi Araújo, Tiago Duarte Dias, Adriano Winter, Guerá
Fernandes, Joice Berth, Marco Polo Guimarães, Ianê Mello, Pedro Belo Clara,
Rosane Carneiro, Carina Carvalho, Paulo Lima, Natália Turini, Luís Garcia,
Paula Cajaty, Nuno Júdice, Amosse Muscavele, Carlos Margarido, Amélia Luz,
Paulo Vitor Grossi, Renata Bomfim
Autores convidados
Alexandre Bonafim Felizardo, Donizete Galvão, Soares Feitosa, Inês Ferreira da
Silva Bianchi
Descrição
A POESIA, UMA VIA DE VER AS COISAS
No começo de tudo, quando a palavra e o mundo estavam
fundidos e as linhas entre um e outro, portanto, não se difundiam, a poesia
estava na matéria do gesto, no pulso do corpo em êxtase, no lugar do divino,
numa dimensão, por isso, dada a poucos. Todo poeta, é por essa razão
primordial, um geômetra do universo, e o seu exercício escritural nunca poderá
está reduzido ao movimento da letra desdobrada uma após outra no espaço amplo
do branco da página. Se assim ocorre o universo será estrutura opaca, um
defeito, uma mancha dispersa presa no papel. Aliás, a poesia não pode está reduzida
ao desenho da forma informe ou do sentido invertebrado do texto. Ela deve
conspirar e ter pulso para saltar da superfície lisa da folha e ser matéria
pulsante, suspensa, atmosfera capaz de atuar no desempenho do corpo humano,
pela lágrima, pelo riso, pelo gozo. É nesse instante que ganha, a palavra, seu
real lugar no complexo sistema a que pertence e se ilumina a ponto de refundar
o sujeito e o ser.
O poeta enquanto feitor do poema, instante em que primeiro
se prime em suas fronteiras as possibilidades da poesia, é somente aquele capaz
de conviver no limiar de uma epifania constante que lhe permita está cercado do
tempo primordial; epifania que é um fenômeno do espírito e diz uma maneira de
estar locado e simultaneamente deslocado. Um pulso de iluminação. Não há, para
isso, leis próprias, fórmulas prontas de se ensinar. Há para isso a necessidade
do poeta ser feito pela vivência da palavra e seu denso universo
fulgurativo.
Não é poeta aquele que se derrama pelos cantos, que faz
histórias de histórias pintando o papel de ponta leste a oeste de berros de
amor, de factoides vazios, porque o amor e as vivências são coisas moventes,
sentidas mas impossíveis de sua partilha como cópia fiel pelo dorso da palavra.
Nunca o poema será mímesis se o poema é sempre criação.
Também não é poeta o que quer ser qualquer coisa que o
valha, inclusive poeta; poeta não é profissão, é modo de estar no mundo. A
busca cega pela forma, fruto de um encantamento pela palavra e uso inadequado
das maneiras do tecnicismo que suprime o próprio pulso da letra, da voz que lhe
antecede, é vã; terá e tem levado muitos por descaminhos que nada tem do poeta
e da gesta do poema. A busca do poeta que deve se dá pelo dorso da palavra é a
de se reaproximar do estágio genesíaco do universo e os únicos guias nessa
empreitada são ele próprio e sua vontade de experimentar-se pela boca dos seus
antepassados, aqueles que fundaram e ultrapassaram a esfera do tempo comum e se
fizeram eles mesmos tempo.
Por motivos como estes, ninguém melhor que Dora Ferreira da
Silva para ser homenageada neste caderno-revista. Não é que a poeta tenha uma
obra alheia a si e ao mundo empírico, mas ela é o constante estágio de epifania
entre este e o lugar genesíaco. Sua poesia parte das dissonâncias existenciais,
e só este instante já é de natureza poética, para ultrapassá-las e alcançar um
instante único na extensa rede de vozes dos seus antepassados. Alimenta-se de
um teor estético e renova o diálogo esquecido pelos estetas da forma, o que não
quer dizer que esse trabalho de elaboração esteja ausente na sua obra; do
contrário, talvez até esteja mais que em outros, porque a poesia de Dora se
guia pela experimentação e refiguração do simbólico que ora se manifesta no
poema através da composição linguística, ora através do corpo estrutural do
texto. Sente-se, que sua poesia é muito estudada e talvez por isso consiga
cumprir o seu papel no universo da linguagem e fora dele: que é o de promover o
reencontro do sujeito com outros lugares e a partir daí seja encorajado pela
descoberta do universo primordial reencontrado por Dora.
Pedro Fernandes de Oliveira Neto