Organização
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Projeto gráfico, editoração eletrônica e diagramação
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Páginas
110
Formato
edição eletrônica
Autores desta edição
Márcio-André, Emanuel R. Marques, Brian Gordon Lutalo Kibuuka, Ivanúcia Lopes,
Daniela Antonieta Vidal Ruiz, Tatyanny Nascimento, Flávio Araújo, João
Negreiros, Jorge Lucio Campos, Claudia Ricardo do Nascimento, Uzenilda
Florentino, Deyvid de Oliveira Pereira, Roberto Bezerra de Menezes, Aníbal
Mascarenhas-Filho
Autores convidados
Ilane Ferreira e Conceição Flores
Descrição
um bom poema,
por mais belo que seja, tem de ser cruel
Joan Margarit
Lapidar
palavras. Não é esse apenas o trabalho do poeta. É lapidá-las e recolocá-las
em rotação. Porque palavras são, além de pedras, universos. Por isso mesmo, o
ofício do poeta está para o de deus. Cada poema engendra na sua maquinaria um
universo próprio e particular. Universo que se nutre da lama de onde emerge,
mas customiza-se, vinga (não todos) e constitui-se em atmosfera paralela a esse
real empírico que habitamos. Nesse estágio, o poema atua como sala de espelhos.
Mas dela extrai-se um itinerário palpável que não se perde no espaldar dos
reflexos. É esse itinerário o resultado de sua materialidade pétrea. As
palavras têm dimensão, peso, massa e volume. Não tivesse não seria possível
moldar esse universo particular do poema, como também se perderia o poema no
mover-se do refrata-reflete.
Foi-se então
o tempo em que o poema era flor. Delicado. Fechado. Olhando para sua maquinaria
e se enfeitando de balangandãs. Perfumado. Imaginação. Suspiro de iluminado na
torre de marfim. Medido à régua. De passo regrado. Espartilhado. Povoado de
donzelas. De palavras castas, virgens. Esse estágio há muito que se perdeu. O
poema não é mais universo apartado. Deixou as alturas. Incorporou as dores do
mundo sem se perder nelas. Incorporou as decisões do seu criador e fez-se
denúncia. Gotejar perfurante.
O universo
próprio que se cria do mundo faz o poema movimento. Perdeu-se também, logo, o
estágio de paralisia. Poema travelling. Há nisso tudo, ainda, o poema
antropófago. Alimentando-se da maquinaria dos balangandãs e fazendo-se
maquinaria simples. Absorvendo o eco dos antepassados e fazendo-se novo eco.
Não muitas vezes (constantemente) invadido por outras tessituras
verbivocovisuais. Nascendo, ora do ponto morto, da materialidade esvaziada
(quase) de poesia. Ora fazendo-se por metástase: de uma palavra princípio do
mundo, um novelo infinito. De tons destoantes. Estonteante. De toadas.
Mas (alerta)
nem tudo é matéria de poema. Poetas de brinquedo quebram-se. Não resistem à
pancada firme da palavra. Palavra pedra. Objeto de duas faces. As duas
cortantes. O trabalho com a palavra é, pois, coisa de gente séria. Não há aqui
espaço para os aluados, os tomados de inspiração. O poema é espaço de labuta.
Constante. Exige do poeta a persistência, a audácia, o suor, o êxtase, o
sangue.
Nesse
estágio novo do poema, vejam bem, foi que encontrei com uma poeta potiguar de
produção significativa. E digo o porquê. Porque tem na palavra a seriedade. E
consegue, como poucos, reinstalar esses organismos, nem sempre em atmosferas
aconchegantes, mas suficientemente capazes de fundir-se em universos próprios
cuja emoção (do eu que canta) e a razão (do eu que fabrica o canto) mantém-se
em equilíbrio. Cada obra dela é como um andar por sobre uma cerca de farpados.
Talvez essa seja a metáfora mais concreta para entender o desafio de, primeiro,
entender a sua construção poética e, segundo, ler seus poemas. Do modernismo,
ela não herda a metástase. Herda a concisão. Mamediana, como parece caminhar
todos os grandes poetas que vem depois de Zila e faz da poeta uma fonte. Por
conseguinte ela incorpora-se no rol cabralino; não somente pela seriedade com a
palavra, mas pelo zelo com que remonta e constrói seus universos.
A concisão
dessa poeta nasce no nome pelo qual se designa. Como o nome daquela portuguesa,
poeta no registro, a poeta potiguar Diva Cunha – é este o nome e é dela a obra,
ambos, nome e obra homenageados nessa edição do caderno-revista – reúne no
primeiro nome a dubiedade da palavra poética. Faz-se diva, de divino (?), de
deusa a remoldurar universos. Diva não usa apenas do trabalho físico das mãos
para compor. Sua poética é fabricada com os laivos do corpo e daí a palavra em
Diva é também corporeidade. E o poema sistema. Logo o universo que ela
remoldura é muito particular. E tão próprio que parece inútil procurar correntes
em que filiar a escritora. Particular, mas plural. Se o corpo todo tateia a
moldura do poema, os temas sobre os quais se sustentam são diversificados. Como
deve ser o poema nesse novo cenário da palavra.
A palavra de
Diva é ousada. Desvirgina formas femininas. É cúmplice com aquilo que diz.
Coloca a tessitura do desejo na fenda da palavra. E tudo se ilumina no gozo
louco, hemorrágico. Entendem os dois limites que a palavra da poeta alcança? É
a concisão que se perde no despejar de sentidos. A palavra em Diva parece estar sempre grávida. Cheia por todos os lados. E de uma elegância única.
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Pedro Fernandes de Oliveira Neto